05 maio 2011

Estranhamento

Eu me sinto estranho e deslocado com a proposta deste site de me tornar escritor. Dá a impressão de que escrever é tarefa super-humana, ou para os 'escolhidos'. Escrevi uns livros e penso em dar continuidade a esse processo escrivinhatório. É como cantar - qualquer um canta-, ou mesmo - falar todo mundo fala-, mas daí a ser cantor ou orador tem de se percorrer uma estrada comprida e esburacada como as rodovias brasileiras sem pedágio. Dá para pagar o pedágio e daí a publicar um livro, a distância diminui consideravelmente. Porém deve ser sem graça, deixo este processo a quem tem mais vaidade do que eu, porque quero que o que escrevo tenha "valor literário" ( não sei bem o que é isso, mas me disseram que é assim ). Mesmo que eu achasse lícita esta maneira de ter um livro publicado, não teria grana suficiente para custear o tal pedágio.
O substantivo escritor parece que dá a condição de profissional ao sujeito que escreve, o escritor tem de ser intelectual, saber citar grandes autores é importante. Apesar de ler muito, minha memória sempre foi precária, por mais que tenha lido, os livros de que lembro com grande satisfação são os lidos na infância. Lembro de um em especial: Três Garotos em Férias no Rio Tietê de Francisco de Barros Júnior. Li diversas vezes as aventuras dos três garotos que partiram numa canoa de São Paulo com o tio e o cão perdigueiro. O contato com a selva me fascinava, a sucuri que pega o cão, as pescarias de dourados, surubins, tabaranas, os acampamentos ao logo do rio. Depois li do mesmo autor Três Escoteiros em Férias no Rio Paraná, mais aventuras no mato.
Já nasci farto de São Paulo. Nasci no bairro da Liberdade, na Travessa dos Aflitos, talvez por isso a cidade me causasse tanta aflição. Minha mãe dizia que o meu foi o primeiro ou segundo batizado da Catedral da Sé, que foi inaugurada em 25 de Janeiro de 1954, aniversário da cidade, dia do 4° centenário. Fui batizado em dezembro de 1953, a catedral não tinha nem as torres. Uma das maiores catedrais góticas do mundo, muito bonita, os vitrais são maravilhosos, porém as idéias que se propagam ali nunca me atraíram, pois li, estudei e descobri outros saberes mais interessantes. Mas eu dizia do meu fastio de São Paulo, eu era um rato de esgoto urbano descontente com a cidade. Nas férias escolares, minha família passava em Taquaritinga, na casa dos meus avós maternos, no quintal da casa deles eu fazia lavouras de milho, de abóbora e melancia, eu me sentava no pé da mangueira e ficava tempo sentindo o cheiro da terra e a umidade fria que brotava da terra. Fiz agronomia em Botucatu, no começo sofri com minhas idéias urbanas obsoletas e incabíveis numa cidade interiorana, depois entrei no ritmo da cidade, e sofri quando me formei e tive de ir embora. De vez em quando olho a foto da república Muquifo, que foi uma escola de vida para mim.
Exerci diversas atividades e nunca finquei o pé numa carreira, sempre quis conhecer tudo, alcançar tudo. Agora escritor. Vamos ver no que dá. Em junho sai meu quarto livro, Antropologia de Mim. Os poemas deste livro podem ser lidos na sala, como se fazia antigamente nos saraus, alguns contém um pouco de sacanagem, mas advirto a todos tudo que está ali é mentira. Sempre gostei de mentir, descobri que o bom escritor é sempre um grande mentiroso, grande mentiroso é aquele que mente e todos pensam que ele diz a verdade até sobre si próprio. Tudo que digo no livro é verdade, dito de maneira mentirosa. Nada é sobre mim, apenas uma colagem de diversos eus.

05/05/2011

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